quarta-feira, 18 de julho de 2007

A queda

Confesso que estava feliz demais quando o avião da Gol se chocou com o Legacy em setembro do ano passado. Meu aniversário acontecera havia poucos dias, e eu ainda rebobinava a agradável lembrança da festa no Boliche: os risos dos meus amigos, das pessoas que eu gosto, os abraços do meu então namorado. Tinha sido um dia alegre. Houve bolo, strikes e partidas de Pump. Foi alegre. Foi brilhante.

Tão alegre e brilhante que mesmo a tragédia no meio da selva não me causou medo, nem revolta. Eu me entristeci, é lógico: 154 pessoas morreram por causa de uma burrada espetacular das mulas dos pilotos do Legacy. Mais o “buraco negro” aéreo. Mais a dificuldade de acesso ao local do acidente. Mas pra mim era o caso de uma bruta fatalidade, daquelas que só acontecem uma vez a cada século. Algo sem sentido em que uma série de fatores que se encadeiam até culminar numa catástrofe, num morticínio generalizado. Um acidente daqueles, naquelas proporções, era surreal. No final, fiquei mais intrigada que assustada.

E depois de ler numa revista que as chances de todas as premissas do acidente acontecerem de forma a causá-lo eram de uma em mais de dois milhões, me acalmei de vez. Era mais fácil, ou tão difícil quanto, acertar na Mega-Sena a sofrer um acidente daqueles. Isso provava que nada era impossível (nem ganhar na Mega-Sena), mas algo assim era acolhedoramente raro. Convenhamos, dois aviões se chocando justamente num lugar com o sinal de radar fraco e com um deles sem ter ligado o localizador é uma situação bizarra. E confirmou meu sentimento de que não havia nada a fazer nem nada a temer agora, aquilo nunca aconteceria de novo.

E nunca mais aconteceu até agora, quase um ano depois. Desta vez estou mais feliz do que no ano passado, na flor dos meus 17 anos, e menos alegre. Estou mais satisfeita e mais esperançosa, sem a fugaz e louca sensação de euforia da festa. E mais alerta também. Tanto que quando ontem à noite meu pai desceu as escadas e apareceu à porta do escritório para me comunicar sobre o acidente notei depressa que não era mais uma piada boba. E cobri a boca com a mão ao ouvir.

O avião derrapa na pista, atravessa a avenida, e ao tentar arremeter bate no depósito de cargas da sua própria companhia. Explode. Causa um incêndio monumental. Cinqüenta bombeiros lutaram contra o fogo e, agora, no resgate de corpos. E o que mais me assusta não é só a extensão do dano -186 pessoas só no avião, sem registros de sobreviventes deste -, mas a forma imbecil como foi causado: um aeroporto no meio da cidade, uma pista escorregadia, um provável erro do piloto. Outra vez um casamento de fatores. Mas neste caso as chances de acontecer são muito, muito maiores. Não é a primeira vez que um avião vai parar no meio da rua ao não conseguir parar em Congonhas; não é o primeiro acidente grave. Mas desta vez as premissas não são surreais. Elas são palpáveis, acontece de verdade, e vai acontecer de novo com maior ou menor intensidade.

Minha mãe vai voltar de Curitiba no Sábado, e terá de fazer uma conexão em Congonhas. Ela está com medo. Eu também. Contra um acidente não há o que fazer senão rezar, e já se viu que com ingredientes simples se faz uma tragédia. Pra mim, pra você. Eu estou meio de luto.

4 comentários:

Anônimo disse...

E o que dá mais raiva num acidente estupido como esse, é quem, um dia antes, um avião havia derrapado na mesma pista. Não causou um acidente, mas provou que a pista estava ruim.

Sua não não pode mudar a passagem?

Mariá disse...

Não. Foi comprada em promoção, só tem essa. Não dá mais.

É engraçado, mas as investigações estão dizendo que foi falha humana. É o mais provável. Mas isso não muda o fato de que 200 pessoas estão mortas lá.

Valeu pelo comment ^^

Anônimo disse...

É... estamos todos de luto. Ontem eu vi mesmo no orkut "comunidades em luto"; os mediadores ou donos puseram a figura de uma fita negra no canto das imagens das comus, não em todas, mas num bom número...

Mariá disse...

Este acidente doeu mais do que o anterior, porque aconteceu muito perto... *suspiro* Valeu pelos comments, Lipe ^^